domingo, 23 de novembro de 2008

Funes, o Memorioso de Jorge Luís Borges


.......................................................................RESENHA CRÍTICA [RC]

As mais deslumbrantes e lúdicas pessoas de meu modesto círculo de convívio são afoitas quanto aos contos e ao nome deste contemporâneo escritor sul-americano (argentino) Jorge Luís Borges. Se não me falhe a lembrança, Jorge Luís Borges nascera em último ano do séc XIX. Descendente de pais os quais lutaram pela independência Argentina e participaram das guerras civis do Rio Prata, parece ter herdado daí a paixão pelos pampas gaúchos, paixão que o acompanharia ao longo de toda a sua vida literária. Aos seis anos declara ao pai que quer ser escritor; isso em 1905, se me bem lembro.

Seus contos (Borges primava pelo escrever breve), estão carregados à moda Kafquiana, de sonhos, quiçá pesadelos. Estes (permeados pela intelectualidade quase classicista, traduzida em uma escrita mágica), faz-nos pensar como Ítalo Calvino em um de seus últimos ensaios: “nasce com Borges uma literatura elevada ao quadrado e ao mesmo tempo uma literatura como extração da raiz quadrada de si mesma. Uma literatura potencial.”1 O comentário não é infundado. Em Funes, o Memorioso; Borges, para nos dizer de seu super-protagonista, infunde-nos um mar de filosofias e teologias de todos os tempos e de modos os mais variáveis possíveis. Seu conto quer que entremos em contato com uma infinidade de outras obras, como por exemplo: “Irineu começou por enumerar, em latim e espanhol, os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis História.” ou “minha valise incluía o De Viris Illustribus de Lhomond, o Thesaurus de Quicherat, os comentários de Júlio César.” ou mesmo “Locke, no séc XVII, postulou (e reprovou) um idioma impossível no qual...”2 e por aí vai a justificar-nos o conceito justíssimo de Calvino.

Não é querer demais lembrar aqui o dito de todo já conhecido: se uma galinha é um artifício que um ovo usa para produzir outro ovo, um livro é um artifício que um escritor usa para comunicar-se com outro escritor, logo, não é preciso que autores se conheçam, logo, o conto borgesiano estabelece este perfeito contato entre livros, logo, Borges e intensidade são símiles.

Certa vez uma amiga afirmou ser este conto uma necessidade constante em sua vida. Envolvida que é em diversas atividades e leituras, dizia ela do desejo de retornar sempre ao conto de tempos em tempos; do modo como se realimentava de sua substância, embora impalpável; do modo como essa trama passou a ser para ela uma espécie de conto universo; ou como diria Flaubert: “haverá um livro (ainda não escrito) que poderá, um dia, explicar-nos toda a realidade.” Creio fazer juz, embora incorrendo (e espero ser perdoado) em demasiado elogio se o incluo dentre os possíveis pleiteados a essa façanha.

E uma última questão. Em sua última frase: “Irineu Funes morreu em 1889, de uma congestão pulmonar.” É provável que um de seus últimos pensamentos dissesse respeito a Deus.

1 Calvino, Ítalo. Porque Ler os Clássicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
2 Borges, Jorge Luís. Ficções. São Paulo, Editora Globo, 1956.

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